A Ditadura Militar brasileira é (e sempre será) uma ferida aberta na história do Brasil.
O histórico de violência no país, no entanto, não começa a partir daí. Desde a invasão portuguesa, passando pela escravidão do povo preto e pelas guerras pelo direito à mínima dignidade, vidas e sonhos foram ceifados em prol da manutenção de diferentes projetos de dominação.
No caso da Ditadura Militar de 1968, não foi diferente. Dentre tantas vidas ceifadas pelo autoritarismo, a do estudante Edson Luís é uma das mais rememoradas e comoventes.
De Belém ao Rio
Os anos 60 são considerados uma década de episódios fundamentais para a humanidade: efervescências culturais, políticas e sociais marcaram o período. No Rio de Janeiro não foi diferente, e é esse cenário que o jovem Edson Luís encontra ao desembarcar na cidade, vindo de Belém, no Pará.
Com o intuito de buscar melhores oportunidades de vida e concluir o ensino médio, o jovem de apenas 18 anos enfrentou as dificuldades da cidade maravilhosa logo de cara: passou suas primeiras noites dormindo em praças e em cadeiras de engraxate. Tempos depois, conseguiu um emprego como faxineiro em uma cooperativa.
A partir daí, tudo parecia se encaminhar: Edson matriculou-se no Instituto Cooperativo de Ensino. Além de estudar e trabalhar, passou a frequentar manifestações e movimentos que reivindicavam melhorias nas instalações da escola e do restaurante estudantil, chamado Calabouço.
Calabouço, 28 de março de 1968
Localizado na Avenida Infante Dom Henrique, perto do aeroporto Santos Dumont, o Restaurante Central dos Estudantes — também conhecido como Calabouço — era frequentado por alunos do ensino médio e universitários.
Embora a refeição custasse menos do que em outros lugares, o restaurante incomodava os estudantes pelo espaço precário — um galpão abandonado — e pela má qualidade das refeições.
Na sexta-feira, 28 de março de 1968, cerca de 300 estudantes, entre eles Edson Luís, protestavam contra essas condições. A polícia militar, então, invadiu o Calabouço para conter a manifestação. Como reação à truculência policial, os estudantes atiraram pedaços de pau, pedras e até bandejas contra os invasores. O que eles não sabiam era que a fúria da PM seria ainda maior: os policiais começaram a disparar contra os manifestantes, matando Edson Luís a sangue frio.
O primeiro “morto-público” da Ditadura Militar
Imediatamente após o assassinato, os estudantes carregaram o corpo de Edson em passeata até a Assembleia Legislativa do Rio, para impedir que os militares ocultassem o cadáver. Na própria Assembleia foi realizado o velório.
No dia seguinte, cerca de 50 mil pessoas — entre artistas, intelectuais, estudantes e trabalhadores — compareceram ao velório, chocadas pela violência policial. O caso ganhou repercussão nacional: em São Paulo, protestos e passeatas contra a truculência policial se multiplicaram.
A Ditadura Militar fazia sua primeira vítima pública, e, apesar de fortes esforços de censura, tornou-se impossível negar o ocorrido.
A morte de Edson Luís foi um importante catalisador para a Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio ainda em 1968, que protestou contra o regime. Foi também nesse ano que o governo ditatorial decretou o Ato Institucional nº 5.
Os muitos Edsons
Infelizmente, Edson não foi o único. No dia do massacre no Calabouço, o estudante Benedito Frazão Dutra morreu um dia depois dos disparos. Ao longo da Ditadura Militar, outros estudantes também foram vítimas: segundo a Comissão Nacional da Verdade, dos 434 mortos ou desaparecidos, cerca de 140 eram estudantes.
Simbolicamente, o dia 28 de março passou a ser o Dia Nacional da Luta dos Estudantes Brasileiros, data que evoca reflexão e memória das lutas estudantis durante o regime.
Herói do Rio
Dada a inegável importância da história de Edson Luís para o país, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou, nesta terça-feira (6), a inclusão de seu nome no Livro de Heróis e Heroínas do Estado do Rio, ao lado de personalidades como o abolicionista José do Patrocínio e o escritor Machado de Assis.
A proposta é de autoria da deputada Dani Monteiro (PSOL) e coautoria dos deputados Carlos Minc (PSB) e Luiz Paulo (PSD). Carlos e Luiz estavam no Calabouço no dia do massacre e testemunharam os acontecimentos.
Agora, o projeto segue para o governador Cláudio Castro, que tem até 15 dias para sancioná-lo ou vetá-lo.
Com informações Agência Brasil